sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Por antecipação


Segurando a mochila da moça que estava em pé ao seu lado no ônibus, Jussara conversava animada com a melhor amiga do dia, Tânia. Havia conhecido Tânia ao passar pela roleta, mas já a considerava uma grande amiga. 

- Canseira, mulher! Credo. Esse ônibus sempre lotado, sempre! Se não fosse o aniversário da minha filha, eu não saía de casa, não...

- Aniversário da mais velha?

- Não. Da pequena.

- Quantos anos?

- Treze.

- Ah, então já não quer mais brinquedo. Já tá grandinha.

- Pior. A guria quer um celular. Comprei, né? Vou fazer o quê? É o futuro...

- Comprou um desses modernos?

- Ah, todos são modernos pra mim. Tal o tal de Detroid...

- Android.

- Isso!

- Ela vai adorar os aplicativos. Tem muitos!

- Tenho medo...

- Tem que ter mesmo. Tem muito tarado por aí.

- Credo, amiga! Não fala isso!

- É sério, Jacira!

- Jussara.

- Isso! E vai ter um monte de maloqueiros dando em cima dela. Te liga!

- Ai, já fico nervosa! Para! 

- Depois tua guria se envolve com um traficante aí, engravida e já viu, né?

- Deus me livre!

- E o pior: capaz de ela ficar viciada que nem o marido! Ele vai bater nela, certamente! Ela vai acabar se prostituindo pra sustentar a criança, que pode nascer com sequela. Olha, se não nascer com sequela, vai seguir os passos do pai bandido: estuprar, matar, assaltar e o caramba! Vai acabar na cadeia o coitadinho. 

Jussara desceu na parada seguinte, chorando. Mal pode despedir-se da amiga que a alertou dos perigos do mundo. Assim que chegou em casa, Jussara tomou toda a cartela de comprimidos que a gaveta guardava. Deu fim à vida, pois já não suportava o peso de ter um neto na cadeia. 

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