Ele entrou cabisbaixo. Vestia a mesma roupa listrada de sempre.
-Tudo bem?
- Mais ou menos. O emprego tá foda, sabe?
- Pouco movimento?
- É, as pessoas meio que já tão cansadas, sabe? E tem a crise, sabe?
- As pessoas estão atentas?
- Muito!
- E o que eu posso fazer por você?
- Então, com o movimento caído desse jeito e com a criançada lá em casa, sabe?
- Aedes, eu já entendi: você quer outro emprego!
- Isso!
- Mas você é um ícone! É o famoso Aedes Aegypti! Você tocou o terror por anos e...
- Chega de viver de passado! Quero voltar aos tempos gloriosos! Queria transmitir raiva, câncer...
- Impossível! Impossível!
- Ah, vê o que você pode fazer por mim, por favor!
- Tá, vou ver o que tem aqui.
- Obrigado, porque é muito ruim, sabe?
- Achei! Tem aqui, olha! Febre Chikungunya e um produto novo no mercado, tá valendo?
- Qual o nome?
- Zika Vírus! O Governo que fez! Erro de laboratório e o caramba!
- Ah, que nome mais idiota!
- Mas tem comissão! Você passa a carregar as três doenças e, para cada 30 picadas, você transmite uma microcefalia!
- Boa! Começo quando?
- Agora!
- Fechado!
- Fechado!
E saiu voando, pronto para tocar o terror novamente. Em meio à crise, Aedes agora tinha três empregos.
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
sexta-feira, 8 de janeiro de 2016
Por antecipação
Segurando a mochila da moça que estava em pé ao seu lado no ônibus, Jussara conversava animada com a melhor amiga do dia, Tânia. Havia conhecido Tânia ao passar pela roleta, mas já a considerava uma grande amiga.
- Canseira, mulher! Credo. Esse ônibus sempre lotado, sempre! Se não fosse o aniversário da minha filha, eu não saía de casa, não...
- Aniversário da mais velha?
- Não. Da pequena.
- Quantos anos?
- Treze.
- Ah, então já não quer mais brinquedo. Já tá grandinha.
- Pior. A guria quer um celular. Comprei, né? Vou fazer o quê? É o futuro...
- Comprou um desses modernos?
- Ah, todos são modernos pra mim. Tal o tal de Detroid...
- Android.
- Isso!
- Ela vai adorar os aplicativos. Tem muitos!
- Tenho medo...
- Tem que ter mesmo. Tem muito tarado por aí.
- Credo, amiga! Não fala isso!
- É sério, Jacira!
- Jussara.
- Isso! E vai ter um monte de maloqueiros dando em cima dela. Te liga!
- Ai, já fico nervosa! Para!
- Depois tua guria se envolve com um traficante aí, engravida e já viu, né?
- Deus me livre!
- E o pior: capaz de ela ficar viciada que nem o marido! Ele vai bater nela, certamente! Ela vai acabar se prostituindo pra sustentar a criança, que pode nascer com sequela. Olha, se não nascer com sequela, vai seguir os passos do pai bandido: estuprar, matar, assaltar e o caramba! Vai acabar na cadeia o coitadinho.
Jussara desceu na parada seguinte, chorando. Mal pode despedir-se da amiga que a alertou dos perigos do mundo. Assim que chegou em casa, Jussara tomou toda a cartela de comprimidos que a gaveta guardava. Deu fim à vida, pois já não suportava o peso de ter um neto na cadeia.
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