quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Lobisomem pós-moderno.

   
   Lua cheia. Reza a lenda que, quando a lua atinge o topo do céu, em algum lugar do mundo, um homem transforma-se num monstro terrível. Surgem garras, presas, pelos e uma energia completamente animalesca.   
    O mito do lobisomem é conhecido por qualquer um. Diferentes histórias e lendas se fundem ao redor do planeta, originando diversas versões de um mesmo personagem fictício (?) e imortal. 
    Acredita-se que o lobisomem teve diferentes formas durante a história. Já foi desde um cachorro magro até um gigante pavoroso. O monstro modifica-se de tempos em tempos, transmutando-se na criatura mais horrenda e ameaçadora possível para a realidade em que vive. 
   O lobisomem brasileiro já foi considerado o mais perigoso do mundo, capaz de causar uma destruição incalculável. Vou contar a história exatamente como me contaram, juro, Vamos lá! 

    Diziam que Dilermando possuía um segredo grandioso. Alguns defendiam-no, rebatendo com o clichê "aquele que não esconde um segredo que atire a primeira pedra"; contudo, a maioria afirmava que aquilo que Dilermando escondia era algo muito pior do que um simples podre de sua vida vazia, era uma coisa inacreditável. 
    Alguns anos passaram desde que ele havia mudado-se para a Capital. No início, qualquer atitude estranha gerava grande reboliço. Pobre de Ivone, esposa de Dilermando que, humilde e trabalhadora, ouvia boatos e falácias terríveis sobre sua família perfeita. As crianças, ainda muito pequenas para compreender que o maior veneno do mundo é a língua do povo, não davam importância para os olhares que recebiam nas ruas. 
   No serviço, depois de alcançar o primeiro lugar em vendas, as piadinhas sobre os estranhos desaparecimentos de Dilermando acabaram. Em menos de um ano todos amavam aquela família exemplar, não se importavam mais com os supostos segredos do maravilhoso patriarca.
     Dona Clotilde, após ficar íntima de Ivone, fez a tão sonhada pergunta para a pobre mulher: "Afinal, o que acontece com teu marido?". O questionamento já era esperado, mas a resposta não existia. Ivone dizia o de sempre, que estava tudo bem e as coisas melhoravam aos poucos. 
  Sandra, dona do mercado da esquina, dizia que Dilermando era homem safado e esses sumiços tratavam-se de idas a "casas de sacanagem", como ela mesma dizia. A partir desse pressuposto, todas as depressivas e gordas moradoras do bairro passaram a dar dicas para Ivone, tentavam ensinar a mulher a prender o homem em casa. A coitada, por sua vez, ouvia tudo e corava de vergonha. 
    Foi em uma festa surpresa que a situação perdeu o controle. O aniversário de Ivone fez com que suas novas amigas invadissem sua casa em plena noite de lua cheia, não que eles se importassem com isso, mas Dilermando não gostou nada. As fofoqueiras chegaram em tempo de ver a terrível transformação.
    A lua atingiu o topo do céu. Debalde foram as tentativas de enxotar o serpentário antes que isso ocorresse. Dilermando ficou fora de si, não sabia mais o que fazer e, assim, deixou-se levar pela natureza, que era mais forte do que sua força de vontade. Assim que se transformou o homem saiu correndo pela rua.
   Estava irreconhecível. Trajava roupas estranhas, mas não era assustador. Durante toda a noite Dilermando destruiu escolas, hospitais e vidas inocentes. Fazia tudo com um sorriso sarcástico estampado no rosto. Cumprimentava todos aqueles que se aproximavam e fazia o possível para agradar o máximo de pessoas possíveis. Depois que recebia confiança, dava o bote e fazia o inferno. Era terrível o lobisomem do Brasil. 
   Quando o Sol nasceu no horizonte, Dilermando voltou à consciência. Aconteceu o que ele mais temia. 
    Acordou quase nu, deitado em um gabinete no Congresso Nacional. Sua cueca abrigava notas de dinheiro de diversos países. Ao seu redor, papéis confirmavam os desvios de verba que, feitos na noite anterior, destruíram escolas, hospitais e vidas inocentes. 
   Era terrível o lobisomem do Brasil. Toda noite de lua cheia Dilermando transformava-se na criatura mais horrenda e perigosa para a sua época. Transformava-se num político. 
    Há quem diga que existem aqueles que transformam-se permanentemente, ou pior, aqueles que já nascem transformados. Seja com garras e presas, comendo coração humano, ou com dinheiro nas cuecas, roubando o coração do povo, as duas espécies são bastante perigosas. 

 É terrível o lobisomem do Brasil.